domingo, 27 de maio de 2012

Greves de professores, como e quem mobilizar: uma proposta de debate


Por Robson Fernando de Souza
para o Acerto de Contas

Nas greves de professores, desde os da Educação Infantil até os das pós-graduações, incluindo instituições públicas e privadas, geralmente vemos o mesmo método sendo usado: mestres interrompem seus trabalhos por tempo indeterminado, param o funcionamento da escola e deixam seus alunos em casa. Esse modelo de mobilização docente, apesar de tão tradicional e largamente usado nos momentos críticos, tem falhas e vacilos e por isso merece algumas críticas e sugestões de mudança, a serem debatidas, que faço abaixo.
Eu divido essas falhas em efeitos colaterais éticos e subestimações. Ambas relativas à atitude de deixar totalmente de lado os alunos, potenciais aprendizes de cidadãos, e atingi-los na prática muito mais do que aos próprios alvos das mobilizações – os diretores/proprietários das escolas e faculdades, no caso das instituições privadas, e o governo, no caso das públicas.
A consequência colateral ética eu posso resumir em uma frase nominal: alunos mais prejudicados do que os patrões.
Os estudantes são verdadeiros reféns “sob poder” dos grevistas, os reais prejudicados pelas paralisações. Ficam sem aulas, têm o calendário escolar ou acadêmico deformado – podendo ficar sem férias e mesmo ser obrigados a cursar improvisadamente três semestres num único ano –, são relegados ao ócio e, no caso de graduandos e pós-graduandos, têm suas chances de estágio e emprego diminuídas pelo adiamento da conclusão do curso – podendo até perder oportunidades pendentes (incluindo concursos públicos) pelo timeout em defender o TCC e dar entrada no diploma.
Sem falar que parte significativa dos alunos, parcela costumeiramente sedentária e caseira, podem ser prejudicados em sua vida social – muitos contam com a escola ou faculdade para se manter em contato com colegas, amigos e paqueras –, ainda mais quando são novatos/calouros.
Nessa situação, o que faz os patrões ou o governo cederem é, muitas vezes, mais a misericórdia que estes acabam tendo pelos discentes do que a pressão que a sociedade exerce em solidariedade aos mestres ou o adiamento do pagamento da mensalidade.
E nisso há o segundo ponto negativo principal aqui comentado: a subestimação do potencial cidadão dos alunos pré-adolescentes, adolescentes e adultos. Ao se fazer uma greve convencional, estes são deixados em casa, à revelia de toda a mobilização, alienados do movimento e da própria realidade dos seus professores.
Deixa-se de fazer uma campanha forte de conscientização e debate dirigida aos estudantes e aos pais deles, sobre as péssimas condições da educação básica e superior no Brasil, e de incluí-los na mobilização, uma vez que muitos adorariam ser convidados por seus mestres a participar de um movimento cidadão de pressão política, mas não recebem qualquer convite ou encorajamento.
Esquece-se também que os alunos sofrem diretamente as consequências das más condições de trabalho e remuneração dos docentes e da precariedade da infraestrutura escolar/universitária, logo teriam grande valia como coparticipantes de mobilizações. É também por causa da situação sofrida dos professores e das privações físico-materiais da escola onde estudam que tantos estudantes hoje em dia se degeneram à alienação sociopolítica, ao não exercício da cidadania, ao não uso completo das faculdades racionais (questionamento de “verdades” enunciadas, senso crítico-filosófico etc.) e até mesmo à indisciplina e criminalidade.
Greves docentes são oportunidades douradas perdidas de juntar professores e alunos em torno da causa da educação digna. De transformar a instituição de ensino num lugar onde se ensina não só conhecimentos didáticos, mas também a cidadania e a democracia. De estender o ensino, aliás, às ruas onde se fazem protestos. De juntar numa coisa só a escola concreta, dotada de paredes, salas e pátios, e a escola abstrata da vida.
Em cada nova greve, há uma chance de testar a eficácia da mobilização conjunta docente-discente. Mas essas oportunidades acabam desperdiçadas, e assim ficamos sem saber se essa estratégia funcionará melhor ou pior do que o método convencional de paralisação. Nessa metodologia sugerida, as aulas ainda ficariam suspensas, mas os alunos voluntários não estariam mais ociosos, alienados da campanha reivindicativa de seus mestres. Estariam sim em atividade alternativa, aprendendo, talvez junto a seus pais ou responsáveis, a ser cidadãos cobradores de direitos, não mais sendo passivamente prejudicados e tratados como reféns.
As paralisações exclusivamente professorais nas escolas e universidades podem até funcionar (limitadamente) na maioria das ocasiões, forçando aumentos salariais, investimentos em melhorias físico-estruturais e materiais e mais contratações de mestres. Mas os efeitos colaterais nos alunos são muito severos, a ponto de se tornarem eticamente questionáveis. E além disso não se sabe se mobilizações conjuntas unindo educadores e educandos num só conjunto de causas e reivindicações é algo que dá certo ou não, porque sequer se tenta isso de forma sistemática.
O que se espera, afinal, para tentar ou mesmo debater essa nova metodologia mobilizacional, abatendo-se o egoísmo de causa e incitando partes importantes de nossa majoritariamente despolitizada juventude ao exercício ativo e máximo da cidadania e das faculdades democráticas?
Robson Fernando de Souza 
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