quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Ser Policial

Paulo Magalhães (*)


Aquele que opta por seguir a carreira policial deveria receber, antes de ser admitido na Força Pública, uma cartilha esclarecendo a realidade da profissão, as obrigações, as responsabilidades e os pouquíssimos direitos que irá ter logo após constatar que seu nome está dentre os aprovados em concurso público para o espinhoso cargo. Estes esclarecimentos poderiam ser fornecidos ao aluno nas Academias de Polícia, desta forma dando-lhe a oportunidade de desistir antes de prestar o juramento.

Estar garbosamente de pé na frente de todos, da família, dos amigos, depois de meses nas salas de aula, esticar o braço direito e dizer cerimoniosamente: "Juro, pela minha honra, trilhar todos os passos de minha trajetória funcional com dignidade, honrando a Instituição policial: exercerei com desassombro e probidade a defesa social do direito, da ordem e da lei, dando a minha vida, se preciso for, no cumprimento do dever”, alem de ser uma formalidade mu ito bonita é também muito fácil. O problema é estar consciente da dificuldade em cumprir o compromisso e agir desta forma o resto da vida.


Será que algum jovem, quando resolve ser policial, tem noção de que está prestes a deixar de ser ele próprio para tornar-se o instrumento de proteção da sociedade? Faz idéia de que a profissão de policial é um sacerdócio no qual irá sacrificar sua vida pessoal, o acompanhamento do crescimento de seus filhos, as festas em família e terá muito mais dissabores e mágoas do que momentos felizes? Será que alguém, em sã consciência, daria preferência a arriscar diariamente sua vida, a ficar noites acordado ouvindo e resolvendo problemas dos outros, molhado de chuva, com frio ou em um ambiente quente e malcheiroso? E o pior, ganhando um salário muito aquém do merecido enquanto as pessoas que deveriam agradecer-lhe pelo desprendimento o condenam: “ganha muito, não faz nada, é tudo vagabundo!”


Imagine então se o aspirante a  policial soubesse, antecipadamente, que não adianta ser extremamente honesto, cortês, justo ou educado. Pelo simples fato de ser policial, da noite para o dia, será visto como ladrão, grosso, covarde e estúpido. Nenhum pai vai querer tê-lo para genro e se for mulher, a maioria não quer ter uma policial como filha. Quando perceber que a maioria das pessoas que se acercam dele o fazem por interesse, para conseguir alguma benesse, na maioria agindo contrariamente a lei e buscando tão somente “proteção” gratuita, já será tarde, já foi nomeado, já estará na ativa.


O policial deve ter sempre em mente que estar na polícia é ter direito a andar armado, dirigir em alta velocidade, avançar sinal tocando sirene, parar em local proibido, porem estar na polícia não é o mesmo que ser policial. O policial se obriga a agir dentre alguns parâmetros não exigidos para os demais seres comuns, a ser consciente de que cada ato seu reflete a imagem de toda a instituição.


Precisa estar ciente que parte de seus “irmãos em armas” parecem, mas não são policiais. Estão na Força Pública para se locupletarem, roubar, matar, prevaricar e protegerem-se atrás do distintivo, fazendo dos bons escudo, baluarte, dividindo com os honestos as criticas por seus atos corruptos.


O policial de verdade deve perceber que não existe diferença entre o bandido comum e o bandido “policial”, e que ambos devem ser combatidos. Porem o bandido policial é mais difícil de vencer – ele é covarde, possui o respaldo de toda a instituição que erroneamente lhe dispensa “o espírito de corpo”, mesmo traindo os dogmas do ofício de policial. Certo estava o marginal Lucio Flávio que, não obstante ser delinqüente sabia perfeitamente seu lugar quando declarou: “bandido é bandido, polícia é polícia”. Como a água e o azeite, não se misturam.


O distintivo, bonito ou não, de ferro ou de lata, pesa tanto quanto o coração do policial que o recebeu. É o símbolo da confi ança que a sociedade depositou em um membro pertencente a ela própria. Como se fosse um casamento, de um lado o cidadão, de outro o policial – pra sempre, até a eternidade. Um policial jamais abandona aqueles que se propôs a defender, quando o faz, é porque deixou de ser policial – podendo até continuar com o titulo, mas restou um capacho velho, digno do lixo.


Ser policial não é estar nomeado, trazendo no bolso uma carteira, um emblema, a arma e algema. Ser policial não é ter definida uma função, exercer determinado cargo, estar na ativa. Ser policial é um estado de espírito, é um fogo imortal que aquece a alma e enternece o espírito. É dar a vida pelo próximo sem se dar conta de que está indo para a morte, é chorar ao resgatar uma criança em perigo, é se controlar para não cometer crime quando prende um estuprador. Ser policial é largar tudo quando um colega pede ajuda, “virar noite” e “dobrar serviço” para prender um autor de crime, é suportar a frustração do c aso não resolvido.


Ser policial é sofrer a se ver obrigado prender um colega, mas também é não prevaricar quando foi este que optou “passar para o outro lado”, quando deixou de ser policial e tornou-se bandido, quando desonrou o compromisso e descumpriu o juramento, quando traiu a própria classe.

Assim, da próxima vez que tiver o impulso de falar mal dos policiais em geral, ao ler uma noticia dando conta da existência de criminosos na corporação, considere: quantos bons, honestos e honrados estão trabalhando arduamente para que você, gratuitamente, os atinja como um todo, jogando-os na mesma vala negra daqueles poucos que não souberam ser policiais de verdade?

Paulo Magalhães é delegado de policia aposentado e presidente da Brasil Verdade, ONG do MT

Um comentário:

Anônimo disse...

tenho orgulho de ser policial,mas também tenho coragem de me aquartelar diante de tanta omissão do governo na questão de nos dar uma melhor condição de vida.