domingo, 13 de fevereiro de 2011

OPERAÇÃO DE GUERRA SEM SALÁRIO E SEM ESPÓLIO…Chamem o RoboCop ou os BoboCop!

Maus policiais viram no Alemão a ‘Serra Pelada’

De acordo com a investigação da Polícia Federal, agentes promoveram verdadeiro saque nas favelas do complexo em busca de armas, drogas, munição e outros bens


Rio – O Complexo do Alemão, após traficantes serem expulsos no fim do ano passado pelas forças de segurança, virou a menina dos olhos dos maus policiais. Segundo a investigação da PF, o ‘espólio de guerra’ — armas, munição, drogas e objetos apreendidos da quadrilha que dominava o conjunto de favelas — virou alvo de cobiça. O material apreendido seria revendido pelos policiais a traficantes de outras comunidades. A região chegou a ser apelidada por um agente de Serra Pelada, região do Estado do Pará famosa pela corrida ao ouro nos anos 80.
O chefe de Polícia Civil, delegado Alan Turnowski (de perfil) chega para prestar esclarecimentos ns sede da PF | Foto: Fábio Gonçalves / Agência O Dia
Escutas da PF flagraram ainda conversa entre o inspetor da Polícia Civil Leonardo da Silva Torres, o Torres Trovão, com um homem, identificado apenas como Luizão, de que haveria R$ 2 milhões no Alemão. Na conversa, ainda de acordo com a PF, eles falam que foram orientados por um delegado a só retirar o dinheiro do local à noite.
A Operação Guilhotina foi desencadeada a partir do inquérito 21/2010 da Delegacia de Armas (Delearm) da Polícia Federal, instaurado com o objetivo de descobrir supostas relações promíscuas entre policiais civis e militares e traficantes, envolvendo vendas de armas e drogas, além de extorsões. Cada pistola 9 milímetros teria sido vendida por R$ 7 mil. A partir disso, o trabalho se desenrolou em quatro, já que grupos diferentes passaram a ser investigados por diferentes práticas criminosas. Para facilitar a investigação, os grupos foram divididos em A, B, C e D.
De acordo com a Polícia Federal, do grupo apontado como o que “promoveu uma verdadeira devassa no Complexo do Alemão”, Ivan Jorge Evangelista de Araújo, ou o irmão Floriano Jorge Evangelista de Araújo, o Xexa, ambos PMs, teria cobrado propina a Rogério Rios Mosqueira, o Roupinol, morto no ano passado. O valor cobrado teria sido de R$ 20 mil para cada integrante da equipe.
Armamento apreendido ainda em operações no Morro do São Carlos, no Estácio, da Mangueira, e do Urubu, em Pilares — essa em 2005 — também teriam sido vendidos pelos agentes.
Já outro grupo atuaria como segurança de máquinas caça níqueis e pagaria propinas a agentes corruptos. Enquanto um quarto é suspeito de negociar armas com traficantes e cobrar cerca de R$ 100 mil por mês para vazar informações de operações nas favelas da Rocinha e no São Carlos. Desse grupo faz parte Torres Trovão. As acusações sobre o agente são baseadas em escutas da PF na operação Paralelo sobre o tráfico em Macaé e no depoimento do informante Magno Carmo, preso ano passado durante investigação de tráfico na Rocinha. Ele está em presídio federal fora do Rio.
Pai miliciano, filhos também
Classificado no relatório da Polícia Federal como Grupo C, 21 pessoas, entre elas policiais civis e militares, são acusadas de envolvimento com a milícia que domina a Roquette Pinto e o Piscinão de Ramos. Esse grupo controla o comércio de gás, o fornecimento de água, transporte alternativo, TV a cabo, estacionamento, aluguel de campos de futebol e venda de casas das duas comunidades.
O sargento reformado Ricardo Afonso é apontado como líder dos milicianos, sendo apoiado por seus filhos, Christiano e Giovanni Fernandes, e outros policiais. De acordo com o relatório, as acusações são baseadas em depoimentos de duas testemunhas, prestados ao Ministério Público e, depois, à PF.
Relatórios da Inteligência indicam que foram feitas “filmagens de algumas atividades delitivas da milícia, dentre
as quais a cobrança extorsiva do estacionamento e a presença de funcionários milicianos vigiando a área da Passarela 11 da Avenida Brasil”. Três homens — Tico, Biliu e Paulinho — seriam os responsáveis pela milícia na favela.

‘Escavações’ atrás do ‘ouro’ dos traficantes
Investigações indicam que alguns policiais trataram a ocupação do Alemão como uma espécie de Serra Pelada, região do estado do Pará famosa pela corrida ao ouro nos anos 80. As escavações feitas por diversos policiais teriam sido relatadas pelo agente Stanlei Couto, da 22ªDP (Penha).
Outras gravações telefônicas, segundo o relatório, indicam que o sargento reformado Ricardo Afonso prometera 30% de tudo que fosse arrecadado ao informante Dilcimar Cunha Orofino, que auxiliaria nas buscas a armas e drogas dos criminosos, durante a invasão do Alemão.
Interceptações apontam que três PMs adidos à Delegacia de Combate às Drogas também planejavam lucrar com a ação.
“Se por acaso der uma sorte lá amanhã, ‘cumpade’, te dou uma vantagem aí, valeu, espoliozinho de guerra lá, eu te ajudo aí”, diz Ivan Evangelista, que foi preso juntamente com seu irmão Floriano. A Polícia Federal afirma no relatório que eles teriam furtado sete pares de tênis.
Um outro PM, Carlos Eduardo Nepomuceno, primo do traficante Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, também foi preso por ter tentado participar da ação no Alemão para ‘tentar a sorte’.
Além de roupas, tênis e armas, aparelhos eletrônicos e até as motos apreendidos foram alvo do interesse dos policiais.
Pagamento de propinas em fiscalizações a caça-níqueis
Formado por 14 pessoas — sendo oito PMs e dois policiais civis —, o grupo D, de acordo com as investigações, seria liderado pelo inspetor Helênio Dias Rodrigues. Segundo a PF, o bando era responsável pela segurança de casas de jogos e pagava propina a agentes que davam ‘batidas’ nos locais.
Em duas delas, feitas dias 8 e 9 de janeiro por PMs, a PF interceptou ligação em que Helênio fala sobre propina de R$ 250 por semana a policiais. O valor seria pago às sextas-feiras. Segundo a PF, para disfarçar, eles chegaram a dizer que eram 250 quilos de picanha, mas em outro momento falaram abertamente sobre o valor.
Uma das casas para as quais o grupo trabalharia, em Botafogo, foi fechada pela Corregedoria da Polícia Civil. Na ocasião, o policial civil Marcelo Nakamura estava no local, mas alegou ser estudante e foi conduzido à delegacia como jogador.
 

Reportagens de Adriana Cruz, Isabel Boechat, João Noé, Leslie Leitão, Marco Antonio Canosa, Marcello Victor, Maria Inez Magalhães e Vania Cunha

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