terça-feira, 27 de julho de 2010

As mil e meias noites

Se eu pudesse eu cortaria todos os fios de postes da rua para melhor apreciar a beleza da noite. A noite sempre me trouxe algo mais de romantismo, sentimentalismo, calmaria. Entretanto, engraçado até poder ser mais, os nictófobos adoram a luz – solar, de preferência – e correm ao cair o escuro para se esconder e esquecer o medo noturno. O verdadeiro arquétipo advindo do inconsciente coletivo, desde quando não sabemos, pois só Jung descobriu que nos baculejos de há séculos seculorum, herdamos de outras civilizações esta atenção para o que não vemos às claras (o inconsciente pessoal foi tese de Freud). Surgia nessas eras a figura do vigia ou guarda noturno, sem apito, claro.

O pior e mais hilariante para não ser trágico é que a maioria das coisas ruins só vem a acontecer durante as madrugadas ou indo e voltando nas meias noites.

Quase toda negociata maledicente só ocorre nessas horas, os infartos e AVCs só pegam as pessoas por aí, dificultando tudo – primeiros socorros de urgência das ambulâncias, acordar médicos amigos para aconselhamentos, sem falar na contenção do desespero dos que cercam o cidadão lá estendido no sofá ou no chão. As traições – conjurações, melhor dizendo – na política e nos cartéis empresariais começam lá pelas duas da manhã numa mesa de um bar underground previamente escolhido, longe das coxias do poder maior. Especifiquei assim então para diferir do adultério, que, de já há alguns tempos, homens ou mulheres que praticam tal ato o fazem durante o dia – terão álibis bem mais convincentes – e as novelas das sete e das oito separadas estarão garantidas junto ao seu ou sua cara-metade, concordam? Quando a moda virou tragédia, ou, desculpem, o contrário idem, onde já se viu terremotos diurnos? É se acabando tudo, casas e edifícios ruindo, gente a espalhar-se pelas ruas, enlouquecidas com os tremores e a morte ao seu lado. Tempestades e rios enchendo numa correndo forte pelas ribeiras das cidades levando tudo, principalmente os sonhos da população dormindo – Antonio Maria disse, certa vez, que nós parecemos mais com os mortos quando estamos dormindo. Tsunamis, tufões, deslizamentos de morros, estatelando casebres e palafitas pro meio do mar, carregando seus donos e suas esperanças. Até os vampiros só vão à caça de um sanguezinho depois das doze badaladas do carrilhão. Que nem ele só o conde Drácula (não o moderno de Bram Stocker) quando saía da Transilvânia para jogar uma partida de dominó com seu amigo Frankstein. Esplêndida estratégia de ambos para darem guarida às más línguas de só se lembrarem do Jack, o estripador das brumas misteriosas de Londres, óbvio à pirotecnia do seu tradicional fog confundindo silhuetas escabrosas. Aí, nem Holmes e Watson meteriam os bedelhos, não desmoralizando suas famas. Assim, Conan Doyle, criador dos mesmos, teve que recorrer ao fiel “Cão de Baskervilles” para assombrar os moradores da “cidadela” de Cronin pelas suas penumbras de sombras. A noite é tão assustadora que nominou a de San Valentin e a de São Bartolomeu atravessando as veredas dos Capone, Dillinger, enfim, os “corleones” da vida norte-americana em Nova Iorque e Chicago, onde os capos sicilianos fuzilavam famílias inimigas pelo sempre poder de mando da corrupção em geral.

Bem melhor imitar Piers Tenniel, sétimo visconde e duodécimo barão de Sparkenbroke, contado por Morgan, e que entulhou seus livros em sua tumba construída durante a noite de Chelmouth, no condado de Dorset, para, à luz de seu candeeiro, ter o que ler e distrair-se quando morresse.

E continuamos vivendo, nós pais, na sofreguidão do compasso acelerado do coração na longa espera sem fim, sem sono, muito menos bucolismo, dos nossos filhos em meadas noites entregues à insegurança e às maldade dos diabos e de coisas ruins blefando e destruindo a beleza da madrugada.

PS – Gostaria de agradecer ao Dr. Carlos Abath e toda sua equipe (Nas mãos de Abath queria o Brasil inteiro estar. Gostou doutor?), assim como ao Hospital Português (não deve nada aos do Sul) – através do seu provedor Alberto Ferreira, com assistência de Sheila e do Dr. Sérgio Montenegro, ao sucesso da intervenção “carotidiana” que me submeti recentemente. Acentuo o apoio moral (sou frouxo de dá dó) e carinho a mim dedicado por todos que contribuíram para o êxito como os amigos médicos (Sílvio Romero e meu compadre-velho Horácio Ferreira – singularmente “dom” Armênio Diogo). Gostaria, especialmente, de revelar minha gratidão ao meu querido amigo e médico particular Dr. Clênio Ribeiro – bela figura humana e uma justa e grande referência da cardiologia brasileira. Também sou chique, gente!

Rivaldo Paiva é escritor – E-mail: paiva.rivaldo@hotmail.com


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