Daniel Goulart
Delegado de Polícia Civil do Rio de Janeiro
O Delegado de Polícia é investido, por força de
disposição constitucional (art. 144, §4º) e por disposição legal (arts. 4º e
5º do Código de Processo Penal), da atribuição de investigar os ilícitos
penais praticados, observadas as limitações materiais e formais para
persecução deste mister.
Para consecução desta atribuição é necessário que
a Autoridade Policial também seja investida de poderes próprios, sem os quais
não haverá meios de compelir os particulares, e mesmo outros agentes
públicos, a se submeterem à investigação policial, isto é, os atos que
pratica na execução da sua função constitucional de investigar e apurar
crimes possuem atributos próprios e especiais e que atendem não a simples
discricionariedade da autoridade policial, mas a uma finalidade pública
específica, qual seja apurar a autoria, a materialidade e as
circunstâncias da prática do fato ilícito para viabilizar a persecutio
criminis, em regra, pelo Ministério Público, e, excepcionalmente, pelo
particular nos casos de ação penal privada.
Abrimos um pequeno parêntese para expor que os
atos relativos aos poderes de polícia judiciária, próprios do delegado de
polícia, diferem-se dos atos inerentes ao poder de polícia em geral, estes
concedidos às autoridades públicas que desempenham atividades de polícia
administrativa. Distingue-se, essencialmente, no fato de que a
atividade de polícia judiciária se rege em conformidade com a legislação
processual penal, enquanto a atividade de polícia administrativa pelas normas
administrativas, não deixando de assinalar que os atos de polícia
judiciária também são dotados dos mesmos atributos coercitivos que àqueles
(auto-executoriedade, imperatividade, exigibilidade).
Estes poderes próprios e especiais da autoridade
policial consistem nas seguintes atribuições: 1) poder de requisitar;
2) poder de intimar e conduzir pessoas; 3) poder de apreender coisas e
efetuar buscas; 4) poder de interditar locais; 5) poder de prender pessoas. Esta
enumeração não é taxativa, havendo ainda outros poderes inerentes à atividade
policial e atribuídos ao delegado de polícia, entretanto, são os que
consideramos os mais importantes e que serão objeto de considerações nesta
pequena e despretensiosa exposição.
Vale aqui ressaltar que tais poderes são na
verdade deveres-poderes, conseqüência de uma atribuição depositada pela lei à
Autoridade Policial, e diga-se, indelegável, na persecução de uma finalidade
pública, ou, como bem assinala Celso Antonio Bandeira de Mello, explicando o
que são deveres-poderes: "tais poderes são instrumentais: servientes do
dever de bem cumprir a finalidade a que estão indissoluvelmente atrelados.
Logo, aquele que desempenha função tem, na realidade, deveres-poderes. Não
"poderes", simplesmente." .
Passamos a analisar um a um destes citados poderes:
1) Poder de requisitar:
Não se confunde a atribuição que estamos tratando
com o poder de intervenção do Estado na atividade privada, também denominado
de requisição, este é o instituto pelo qual o poder público compele o
particular a prestar-lhe um serviço ou ceder-lhe um bem. O poder a que nos
referirmos é a possibilidade da autoridade policial exigir aos
particulares, e também a agentes públicos, que atendam a uma determinação
legal que visa à coleta de provas e evidências que irão instruir a investigação
policial.
O Código de Processo Penal dispõe em seu art. 6º que: "logo que tiver
conhecimento da prática de infração penal a autoridade policial deverá:
...III) colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e
suas circunstâncias;". Este dever-poder, como dito anteriormente,
permite ao delegado de polícia adotar todas as providências necessárias para
a coleta de provas necessárias a investigação policial, podendo assim
requisitar a particulares e a agentes públicos que prestem todo o auxílio
necessário à identificação e instrumentalização destas provas,
materializando-as na investigação policial. Podemos citar como exemplo o
poder de requisitar a estabelecimentos, públicos ou privados, imagens
registradas por circuito de gravação próprio e que constatam a prática de um
crime, ou ainda, que forneçam informações não acobertadas por sigilo
legal e que sirvam como prova ou evidência de um crime. Nestes casos,
a requisição independe de autorização judicial, pois a autorização
já é originada da própria lei (código de processo penal) e só em casos
expressos é que prescindem de prévia providência judicial, como na requisição
de dados bancários ou fiscais, na requisição de interceptação telefônica,
entre outros.
Outros dispositivos extravagantes também garantem
o poder de requisitar atribuído ao delegado de polícia, como o artigo 41 da
Lei 6.368/76 c/c artigo 6º da Lei 10.409/02, que dispõem sobre a possibilidade
das autoridades policiais requisitarem o concurso de agentes sanitários para
auxiliar na fiscalização que tratam os dispositivos da lei, ou o art. 7º da
Lei 9.296/96, que igualmente prevê o poder de requisitar às
concessionárias de serviço público o auxílio necessário, inclusive pessoal,
para execução da interceptação telefônica.
O poder de requisitar difere da mera solicitação,
esta não deve ser utilizada quando se objetiva a coleta de provas, pois, como
dito, trata-se de um dever do particular ou de outros agentes públicos em
colaborar com a autoridade policial e não mera faculdade, por conseguinte, toda
vez que não for cumprida uma determinação legal, incidir-se-á no crime de
desobediência, previsto no art. 330 do Código Penal, o que
não ocorrerá quando a autoridade policial se valer de mera solicitação, que
não constituirá o particular na obrigação de atender, por isso, atentamos
para que os ofícios ou determinações no sentido de requisitar aos
particulares ou agentes públicos a entrega de provas deve sempre conter a
advertência de que se trata de requisição, respaldada no art. 6º, III do CPP,
e que o não atendimento implicará em crime de Desobediência.
2) Poder de intimar e conduzir de pessoas:
Para consecução da investigação policial, na
quase totalidade dos casos, é necessário que o delegado de polícia colha a
oitiva de testemunhas, do ofendido, da vítima, de informantes, enfim, de
todas as pessoas que possam de alguma forma fornecer indícios que comprovarão
ou não a prática de um ilícito, e para compelir que uma pessoa
compareça e preste seu depoimento ou declarações perante a autoridade
policial, se vale ela do mandado de intimação e, se este não surtir efeito,
do mandado de condução coercitiva.
O mandado de intimação é o instrumento pelo qual
a autoridade policial dá ciência a alguém que deverá comparecer em sede
policial e prestar as informações que tenha conhecimento em relação a um
crime ou em relação a pessoas envolvidas no delito ou ainda para submeter-se
a reconhecimento ou reconhecer pessoas ou coisas. Por aplicação analógica,
deve o delegado de polícia se valer das disposições dos arts. 351 a 372 do
CPP, no que for aplicável, para expedição do mandado de intimação. O amparo
legal para expedição deste instrumento encontra guarida no próprio art. 6º, e
seus incisos III, IV, V e VI, do Código de Processo Penal, consoante à
aplicação do art. 3º do código, que permite a interpretação analógica e a
integração harmônica entre os dispositivos atinentes a ação penal e os do
inquérito policial. No âmbito interno da instituição, a polícia judiciária
também pode regulamentar a instrumentalização do mandado, como faz a Polícia
Civil do Rio de Janeiro através da Resolução 605/1993, em seus arts. 34 a 36
(Manual de Procedimentos de Polícia Judiciária da PCERJ).
Caso a pessoa não atenda a ordem expedida, poderá
ela ser conduzida coercitivamente, isto é, compelida fisicamente a comparecer
perante a autoridade policial. Entendemos que este é um recurso extremo e só
deve ser empregado se esgotadas as tentativas de persuadir a pessoa a
comparecer a sede policial. O manual de procedimento de polícia judiciária da
Polícia Civil do Rio de Janeiro normatiza a expedição do Mandado de Condução
Coercitiva (art. 36), e este só será extraído se a pessoa for
regularmente intimada por duas vezes seguidas e não comparecer por motivo
injustificado. Assim como o mandado de intimação, o amparo legal se faz
nos mesmos dispositivos já invocados e no art. 218 do CPP. Nesse sentido é a
lição de Julio Fabbrini Mirabete: "Por analogia, aplica-se às
testemunhas do inquérito policial o disposto nos artigos 202 a 221 do CPP,
inclusive a condução coercitiva daquela que deixar de comparecer sem motivo
justificado (art. 218). Só não é possível aplicar-lhe a multa
prevista no art. 453, atribuição exclusiva do juiz (art. 219)." .Neste
caso, entendemos ainda, que a pessoa faltosa deverá, além de conduzida para
prestar depoimento, ser autuada por crime de desobediência (art. 330 do CP),
lavrando-se em separado o registro circunstanciado do fato para remessa ao
juizado especial criminal.
Vale ainda destacar que no caso da intimação de
servidores públicos e militares, o delegado de polícia deverá atentar para o
que dispõe o art. 221, §§ 2º e 3º do CPP, devendo distinguir-se que quando
se tratar de militar, não será expedido mandado e sim ofício (requisição) ao
seu superior hierárquico, indicando-se o dia e hora que o militar
deverá se apresentar, e quando se tratar de funcionário público, o
mandado será extraído, porém, concomitante o mandado, será expedido ofício ao
seu chefe imediato comunicando a intimação; nesta hipótese, por questão
de economia procedimental, poderá se solicitar que o próprio chefe
imediato encaminhe a intimação ao servidor, mas, neste caso, se o servidor
não comparecer não poderá se aplicar o art. 218 do CPP, pois entendemos
que somente se a intimação for realizada pessoalmente e por agente
policial é que se constituirá a obrigação do comparecimento do servidor
público, situação diferente a do militar, pois este é
requisitado ao seu superior, que deverá providenciar sua apresentação. Veja-se,
que o art. 221, §3º do CPP reza que a expedição do mandado será comunicada ao
chefe da repartição, e isto se deve para que a administração tenha ciência do
motivo da eventual ausência do servidor quando do atendimento da intimação e
para que adote providências disciplinares, se assim couber, porém a
intimação não é realizada pelo chefe imediato do servidor, este, apenas,
repita-se, terá ciência do ato.
3) Poder de apreender coisas e efetuar buscas:
Ainda na esteira do art. 6º, II do CPP, deve
a autoridade policial proceder à apreensão dos objetos relacionados com o
crime. Tal apreensão se procede independente de autorização
judicial, pois é um dever-poder inerente a função institucional do
delegado de polícia na persecução das provas necessárias à investigação
policial. Para realizar a apreensão de objetos pode o delegado de
polícia proceder a buscas, independente de mandado judicial, salvo no caso de
busca domiciliar, a qual só poderá ser realizada em conformidade com o
art. 5º, XI da Constituição Federal, desta forma, restou derrogado o art. 241
do CPP na parte em que autoriza à autoridade policial a expedir mandado de
busca domiciliar.
Por conseguinte, excluindo a hipótese de busca
domiciliar, outras buscas podem ser realizadas a mando da autoridade
policial, como nas hipóteses de busca pessoal, busca em automóveis, busca em
aeronaves, busca em embarcações, busca em estabelecimentos e locais não
compreendidos no conceito de "casa" (art. 150, §5º do Código
Penal), e nada obsta que à autoridade policial, não estando presente,
expeça mandado de busca para que seus agentes assim procedam, e
exclusivamente nestes casos, em conformidade ao que dispõe o art. 243 do CPP,
podendo estes, na forma do art. 250 do CPP, penetrarem em circunscrição de
outras autoridades com o fito de dar cumprimento à busca e apreensão
almejada.
Apesar de não ser usual, senão raro, o delegado
de polícia poderá expedir mandado de busca, salvo busca domiciliar, e, após
o cumprimento do mandado, a apreensão das coisas arrecadadas deverá ser
formalizada por meio de auto de apreensãoobservando-se as formalidades
dos parágrafos 6º e 7º do art. 245 do CPP.
No caso de precisar apreender coisas,
instrumentos, objetos ou colher indícios que se encontrem no interior de
domicílioscompreendidos
no conceito de casa (art. 150, §4º do Código Penal) deverá o delegado
de polícia representar pela expedição de mandado de busca perante a autoridade
judiciária e após a expedição do respectivo mandado, a autoridade e
seus agentes deverão dar cumprimento a ordem de busca, conforme o art. 250 do
CPP. Entendemos que é desnecessário representar pela ordem de
apreensão, pois este poder já é prerrogativa da autoridade policial, apenas
a busca domiciliar, por força de preceito constitucional, é que está vedada,
devendo os dispositivos compreendidos entre os arts. 240 e 250 do CPP serem
interpretados em conformidade com a Carta Magna, restando plenamente aplicável
o poder de busca e apreensão conferido à autoridade policial nos casos assim
permitidos e com amparo no art. 6º, II e III do CPP.
4) Poder de interditar locais:
Outro importante dever-poder atribuído ao
delegado de polícia é o de interditar locais. A interdição deve ser
promovida mediante auto de interdição e se dá quando é necessário preservar o
local de um crime por lapso de tempo considerável, seja porque a perícia não
pode ser realizada in continenti a prática do crime, seja por que outros exames
periciais deverão ser realizados em complementação a perícia inicial, devendo
se manter intocáveis o local e os objetos presentes. Fundamenta-se
no disposto no art. 6º, I e VII c/c art. 169, ambos do CPP e para certificar
de que o local permanecerá intocável, pode a autoridade policial se
valer do seu poder de requisição para determinar que outros agentes públicos
(v.g. a Polícia Militar) garantam a inviolabilidade do local; no âmbito
da Polícia Civil do Rio de Janeiro, a Resolução Conjunta SEPC/SEPM/SEDEC nº.
052/1996 regulamenta o procedimento para preservação de locais de crimes e o
auxílio a ser prestado por outros agentes públicos.
Acrescenta-se que outras hipóteses podem ensejar
a interdição de locais, mesmo que estes não estejam diretamente relacionados
à prática de um crime, mas nestes casos, o delegado de polícia estará se
valendo não do poder inerente a atividade de polícia judiciária, mas sim do
poder de polícia administrativa que lhe é conferido por normas
administrativas. É o caso de estabelecimentos de diversão pública que estejam
funcionando irregularmente, em descumprimento a normas administrativas e
legais (p. ex. sem alvará) ou de estabelecimentos que funcionam como fachada
para a prática de crimes, como tráfico de entorpecentes, exploração sexual de
menores, lenocínio, etc. No estado do Rio de Janeiro o delegado de polícia
pode, e deve, interditar locais que se enquadrem nestas hipóteses e o amparo
legal se depreende da interpretação sistemática de vários dispositivos
legais, entre eles: o Decreto nº. 34.633/2003 (item 2.21 do anexo 1), a Lei
Estadual 3.410/2000, a Lei Estadual 3.716/2001, a Lei Estadual n.º 2.526/1996
c/c o Decreto Estadual n.º 27.775/01 e nas Resoluções SSP 071/1995 e
323/1979, concluindo-se destes dispositivos que à autoridade policial
também cabe a fiscalização de locais e estabelecimentos de diversão pública,
sem prejuízo da mesma atribuição também conferidas a outros órgãos, como
Corpo de Bombeiros, Vigilância Sanitária, etc.
5) Poder de prender pessoas:
Sem dúvida dentre os deveres-poderes atribuídos
ao delegado de polícia, o mais importante é o de formalizar a prisão de
pessoas. A restrição da liberdade de alguém é medida extrema,
trata-se do mais importante valor, em vida, que alguém pode dispor, por
isso é que o encargo de autoridade policial exige do seu detentor preparo
jurídico e profissional para exercer esse munus. A Constituição Federal
eleva, como não podia deixar de ser, a liberdade pessoal à categoria de
direito e garantia fundamental, dispondo no art. 5º, LXI: "ninguém será
preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou
crime propriamente militar, definido em lei". Daí extraímos que no
ordenamento jurídico brasileiro, excetuando-se a hipótese de crime
propriamente militar e transgressão militar, uma pessoa só pode ser presa por
ordem judicial, ou, na hipótese de flagrante delito, por deliberação da
autoridade policial.
Concluímos então, que nos crimes comuns,
no sistema processual penal pátrio, só duas autoridades podem determinar a
restrição da liberdade de alguém: o Juiz, por medida cautelar ou punitiva, e
o Delegado de Polícia, em função da prática de delito em flagrante. É
claro que o recolhimento de alguém ao cárcere, quando da prática de delito em
flagrante, sempre será objeto de confirmação pela autoridade judiciária,
sendo esta a autoridade quem detém a palavra final, todavia, é inegável que a
ordem que recolhe alguém a prisão, nestes casos, provém do delegado de
polícia no exercício do seu dever-poder que lhe atribui a Constituição
Federal e o Código de Processo Penal.
Trata o CPP do tema nos arts. 301 usque 310.
Dispõe o art. 301 que qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e
seus agentes deverão prender quem seja encontrado em flagrante delito, são as
hipóteses de flagrante facultativo e flagrante compulsório. Apesar de o
dispositivo referir-se a prisão, está só estará realmente confirmada e
formalizada após a deliberação do delegado de polícia, não é um ato
automático, como pode parecer em uma leitura inadvertida, demanda uma
formalidade procedimental, qual seja, o auto de prisão em flagrante, e este
só pode ser lavrado por ordem da autoridade policial, sendo certo que este
está obrigado a assim proceder, pois o auto de prisão é uma medida cautelar
obrigatória, de natureza pré-processual, que dispensa ordem escrita da
autoridade judiciária.
Os incisos I a IV do art. 302 CPP enumeram as
hipóteses de flagrante delito, sendo estas comumente tratadas na doutrina
como flagrante próprio ou real, flagrante impróprio ou quase flagrante,
flagrante presumido ou ficto. Há ainda outra hipótese de flagrante delito,
previsto pela lei 9.034/95 (lei do crime organizado), a que parte da doutrina
convencionou chamar de flagrante retardado ou controlado. Deixamos de
explicitar no que consiste cada uma destas possibilidades por não ser este a
proposta de nosso ensaio, sem deixar de mencioná-las por questão didática.
O procedimento para que a autoridade policial formalize
a prisão de alguém conduzido a sua presença e contra o qual é imputada a
prática de uma infração penal vem disposto nos artigos 304 a 306 do CPP,
donde se percebe, principalmente pela leitura do parágrafo 1º do art. 304,
que ao delegado de polícia é atribuído certa subjetividade ao
apreciar o fato que lhe é apresentado, não se confunde com
discricionariedade, pois ao delegado de polícia só resta adotar uma única
opção: recolher à prisão aquele que é encontrado em flagrante delito por
crime ao qual a lei determine tal providência, não há avaliação de
conveniência ou oportunidade. Entretanto, dizemos que há subjetividade na
avaliação do fato, pois a lei diz: "resultando das respostas fundada a
suspeita..", ora, essa "fundada suspeita" é critério
que passa por juízo de valor da autoridade, ela analisará os fatos que lhe
são apresentados de acordo com o conhecimento jurídico que dispõe, pode,
exemplificando, entender que um fato inicialmente apresentado como crime de
receptação dolosa, que enseja recolhimento à prisão, seja um crime culposo,
ou ainda, que um crime inicialmente apresentado como lesão corporal provocada
por PAF seja, na verdade, um crime de homicídio tentado, e por aí vão
diversas outras hipóteses, por isso, repetimos, o exercício do cargo de
delegado de polícia exige extremo preparo jurídico e profissional.
Essa avaliação subjetiva deve ser exposta de
maneira fundamentada, aliás, esta é uma exigência que se extrai do próprio
ordenamento constitucional, como bem ensina Alexandre de Moraes: "Entendemos
que a motivação é necessária em qualquer tipo de ato administrativo,
vinculado ou discricionário, como corolário dos demais princípios que regem a
Administração Pública e para possibilitar total incidência do dispositivo
constitucional que prevê a impossibilidade de exclusão do Poder Judiciário de
ameaça ou lesão a direito (CF, artigo 5º, XXXV)" 3. Sendo assim,
o delegado de polícia, após avaliar os depoimentos e evidências apresentadas,
mandará lavrar o auto de prisão em flagrante e deliberará, mediante despacho
fundamentado, quanto às razões que o levaram a entender pela tipificação do
delito e ao recolhimento do conduzido à prisão, ou, ao contrário, disporá
sobre as razões que o levaram a entender que o caso não enseja a prisão em
flagrante, seja por não estarem presentes os pressupostos legais, ou por ser
o fato atípico, e relaxará a prisão do conduzido, colocando-o em imediata
liberdade. Na primeira hipótese, no prazo de 24 horas, dará a
nota de culpa ao preso, que é o documento legal que comprova a prisão de
alguém, assim como é o mandado de prisão no caso de prisão
determinada pelo juiz.
Também relacionado ao poder de prisão de alguém
(na verdade de formalizar a prisão) pode, e deve, a autoridade
policial conceder a liberdade provisória vinculada à fiança a quem assim
tiver direito. Este dever-poder está previsto no art. 322 do CPP, e
nos casos em que se aplicar, o delegado de polícia, depois de lavrado o auto
de prisão, e através do mesmo despacho fundamentado, irá conceder ao preso
este benefício, arbitrando o valor da fiança a ser recolhida; se o
preso não recolher a fiança, e entendemos, no prazo de 24 horas, deverá ser
então recolhido definitivamente à custódia, dando-lhe nota de culpa
e a prisão comunicada ao juiz, que poderá, de outro modo, determinar a
liberdade provisória sem fiança, prerrogativa só a ele concedida, é esta a
interpretação que se faz dos artigos 306, 309 e 310 do CPP. Ressalta-se
que em caso de pagamento de fiança, não será dada nota de culpa ao conduzido,
servindo como comprovação do ato o respectivo termo de fiança.
Como dito, o poder de prisão de alguém, ou
melhor, de formalizar a prisão, é ato exclusivo do delegado de polícia,
indelegável, e só comparado ao mesmo poder que é dado à autoridade
judiciária, sendo certo que esta detém margem maior de ação e
discricionariedade, prerrogativa (a discricionariedade) que não é facultado à
autoridade policial, que não pode avaliar se convém ou não à sociedade a
prisão de alguém, pode, todavia, exercer avaliação subjetiva quanto à
tipicidade do fato, de acordo com seu conhecimento jurídico e suas razões de
convencimento, sempre, insistimos, motivando os fundamentos que o levaram a
adotar a decisão tomada, servindo este posicionamento, inclusive, para
justificar eventual alegação de abuso de autoridade, pois a motivação servirá
para excluir o dolo desta conduta, e também, por que não dizer, para auxiliar
à autoridade judiciária na avaliação da manutenção da prisão em flagrante ou
conversão desta em prisão preventiva.
Sustentamos ainda que este dever-poder de prisão,
que é inerente à autoridade policial, se estende também às hipóteses
de representação de prisão temporária ou preventiva, pois, apesar de
não se falar em formalização da prisão pelo delegado de polícia, está-se
diante de uma atribuição funcional que poderá ensejar a restrição da
liberdade de alguém por iniciativa da autoridade policial e posterior decisão
da autoridade judiciária, e, aí sim, poderá o delegado de polícia avaliar da
conveniência ou não de tomar a iniciativa da medida, do ponto de vista da
utilidade da prisão do indiciado à investigação policial, ou seja,
diferentemente do que ocorre na hipótese de flagrante delito, não está o
delegado de polícia obrigado a atuar no sentido de representar pela prisão,
ele avalia se a iniciativa da medida é necessária ou não, nada obstando que o
Ministério Público, ao revés, assim o faça.
Ainda no mesmo raciocínio, cabe à
autoridade policial determinar as medidas necessárias para cumprimento da
ordem de prisão de alguém, seja esta ordem emanada do juízo cível ou
criminal, como se infere dos artigos 13, inciso III, 297 e 320 do CPP. Por
conseguinte, é mais uma atribuição conferida à autoridade policial e
relacionada à restrição da liberdade de alguém. Podemos dizer que tal atribuição
também está, mesmo que indiretamente, relacionada ao poder de prender alguém,
pois, exemplificando, se um oficial de justiça cumpre um mandado de
prisão, não pode ele apresentar o preso diretamente à casa de custódia ou ao
presídio, deve primeiro apresentar o preso à autoridade policial e esta, a
vista do mandado, o qual poderá verificar a validade, determinará o
recolhimento do preso e seu encaminhamento para a custódia cabível. Também
o art. 297 do CPP, permite que o delegado de políciarecebendo o mandado de
prisão oriundo do juiz, expeça outros mandados para seu cumprimento, desde
que estes sejam fiéis ao conteúdo do mandado original, é, sem dúvida,
mais uma atribuição exclusiva da autoridade policial que denota o dever-poder
relacionado à restrição da liberdade de alguém.
Em
conclusão, pretendemos aqui expor alguns dos deveres-poderes inerentes às
atribuições do Delegado de Polícia, poderes estes que demonstram a
importância do papel da autoridade policial no cenário jurídico brasileiro.
Não há que se olvidar que a complexidade do nosso ordenamento jurídico,
aliado as particularidades do nosso sistema processual penal e à realidade
social, demanda a existência de prerrogativas próprias ao delegado de
polícia, sem as quais a persecução investigatória seria inviável. E assim é
em outros sistemas, onde a polícia possui os mesmos poderes, e às vezes
outros, até mais amplos, de forma que é justificável a existência destes
poderes, que nada mais são, como antes dito, deveres-poderes, que existem
para dar meios à polícia judiciária de cumprir uma finalidade que lhe é
atribuída.
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