terça-feira, 12 de março de 2013

A falta que ele me faz



Numa das minhas muitas paragens dedicadas à leitura, não esqueço o início dos “Caminhos de Ouro” dos reinos felizes da rainha de seis anos, das ilhas de tesouros perdidos e da juventude, ainda menino pequeno dos quintais da Boa Vista. Tudo era magia, fantasia, delirantes motivos de expectativas futuras. Aí abri um conto de Coelho Neto: “A mãe é um tesouro que se tem na vida e uma vez perdido, não há achá-lo mais”. Lindo registro que me despencou para uma curiosidade impar e original: e o pai? – por não ter tido a felicidade de tê-lo, pois foi embora aos louros de seus trinta anos de uma doença (1952), à época letal (nas mãos dos médicos de então sem acompanhar o espocar de uma nova medicina – dormiam distraídos sem se atualizar). Tuberculose – e ninguém da área sabia sequer das novidades do emprego da penicilina, pasmem (que já vinha sendo usada desde a Segunda Guerra), nem a dosagem, nem o que era “aquilo”. Desse jeito perdi meu pai – Rivaldo Pereira de Paiva – um jovem paraibano bonito e saudável, querido por tantos quantos conviveram com ele, bem sucedido comerciante (eu aos três anos e meio de idade). É duro, gente – e um lembrete para os que também passaram pelo que passei. Óbvio, uma criança como eu e tantos, superaria, com o tempo, aquela ausência. Qual nada. Hoje, aos 64 anos, a cada dia que passa mais falta sinto dele. Não o tive durante toda minha vida, passagem em que toda criança e adolescente e adulto precisam de sua palavra, sua proteção, seu carinho, sua orientação, seu conforto até nos pequenos problemas amorosos e de crises existenciais – Sartre alertava a juventude sobre a relação com o humanismo. Não o tive nas noites natalinas, nos jogos de futebol, nas viradas de ano, nos aniversários, na minha primeira comunhão, tampouco nas horas de desespero para tomar uma decisão qualquer sozinho – ficava prensado ao relento. Todavia, nessas horas, ele, de onde estivesse ainda me dirigia, certamente, pois me tornei um homem com decisões firmes, mas com a dedicação incansável de minha mãe, lutando, sem experiência, para me dar do bom e do melhor. Contudo no dia a dia da rua, da vida real, eu que me virava, estudando e aprendendo com os velhos a melhor forma de me conduzir. E venci. Por mim e minha consciência, mas sem meu pai. Isso ainda dói. Se eu o tivesse hoje (pois minha mãe aos noventa está linda e bulindo), passaria diariamente em sua casa e beijaria com todo meu coração sua cabeça envelhecida e brilhante, bonita e cheirosa – careca ou grisalha, bateria um papo com ele nem que fosse por uns quinze minutos e veria e sentiria que aproveitei ele e que poderia morrer feliz. Só quem sabe o tesouro de ter um pai, ou não se lembra dele ou só vai sentir sua ausência tarde demais. Pai, minha homenagem que nunca fiz por escrito e meu beijo carinhoso que nunca pude lhe dar.

    Rivaldo Paiva é da Academia Recifense de Letras
    E-mail: paiva.rivaldo@hotmail.com



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