A Constituição Federal definiu com certa clareza quais são as funções
do legislador e quais são as do juiz. Deixou subentendido que o
legislador não é Deus e que também comete erros. Fixou, ademais, a regra
de que o legislador não é soberano, logo, suas leis estão sujeitas ao
controle do Judiciário. Assim funcionam as coisas no Estado
Constitucional de Direito.
No tempo do positivismo legalista (séculos XIX e até a metade do
século XX), o império era exclusivo da lei, ou seja, o texto legal era
reverenciado tal como se fosse uma entidade divina. Concluída a evolução
do modelo legalista de Direito para o modelo constitucionalista
(sobretudo logo após a Segunda Guerra Mundial, em 1945), a produção do
Direito já não é tarefa exclusiva do legislador. O Direito é o resultado
do texto legal mais a aprovação judicial a esse texto legal.
Se o legislador escreve “X” e a jurisprudência diz que isso não vale,
“X” deixa de existir (deixa de ter validade). Continua vigente, mas sem
validade. E Direito é o que é vigente e válido. Fora disso, não estamos
diante de uma regra que deva ser observada.
No art. 44 da lei de drogas (Lei 11.343/2006), para “combater” o
endemoniado tráfico de drogas, o legislador cometeu uma série de
equívocos. Dentre eles, escreveu que não cabe liberdade provisória nesse
caso. Ocorre que esse tema (liberdade provisória) é da competência
exclusiva do juiz. Cabe ao juiz mandar prender ou mandar soltar. O
legislador não pode substituir o juiz nessa função. E o que ocorreu com a
lei de drogas? O legislador incorretamente invadiu a competência do
juiz e abstratamente proibiu a liberdade provisória (retirou do juiz o
poder de avaliar cada caso concreto).
Todas as vezes que o legislador legisla mal, contrariando a
Constituição, compete ao Judiciário dizer que ele errou (porque vai além
do que lhe era permitido). Qualquer juiz pode fazer isso (no que se
chama de controle difuso). Em relação ao STF é diferente, porque ele
pode fazer isso tanto na forma de controle difuso (dentro de qualquer
tipo de ação que lá tramita) como concentrado (ações dedicadas
exclusivamente para julgar a constitucionalidade ou
inconstitucionalidade de um texto normativo infraconstitucional).
A cruzada fundamentalista radical norte-americana contra as drogas,
lançada em 1970 pelo presidente Nixon, ainda continua produzindo efeitos
e equívocos nefastos no mundo inteiro. As drogas foram carimbadas como o
“belzebu” (o diabo) das novas gerações. Esse fenômeno conhecido como
norteamericanização do direito penal, que se espalhou para todo Planeta,
é o responsável pela edição de leis cada vez mais duras contra as
drogas, em todos os países alinhados com (ou comprados por) esse modelo
político-criminal neoconservador, que é fruto do capitalismo
ultra-liberal (de Reagan e de Tatcher). É na onda desse
neoconservadorismo brutal, que já está sendo modificado até mesmo nos
EUA, que os países periféricos navegam (e se equivocam).
Sobre o autor:
Luiz Flávio Gomes é Jurista e cientista
criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do
Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes e co-diretor da
LivroeNet. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a
1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me no facebook.com/professorLFG,
no blogdolfg.com.br, no twitter: @professorLFG e no
YouTube.com/professorLFG.
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