terça-feira, 29 de novembro de 2011

Racismo e violência letal

Racismo e violência letal

Negros jovens e moradores de periferia morrem quatro vezes mais que os brancos. Homicídios de mulheres negras é quase 50% maior que de brancas

Por Cecília Oliveira
 

"Antes da morte física, nós, negros da periferia, morremos socialmente", disse Marcos Rezende, coordenador do Coletivo de Entidades Negras na Bahia, durante audiência que discute segurança pública no Plano
 Plurianual (PPA 2012-2015),realizada ontem, dia 22 de novembro, na Câmara dos Deputados, em Brasília. A reunião, cujo objetivo era discutir as iniciativas propostas pelo governo federal para a política de segurança pública e os recursos previstos para a área contidos no Projeto de Lei Orçamentária Anual para 2012, não contou com nenhum representantes da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) e nem do Ministério da Justiça.

A fala ressonante de Marcos vai de encontro ao último levantamento do Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), que apontou que no Brasil a possibilidade de ser vítima de homicídio é maior entre jovens e adolescentes e que esta possibilidade cresce consideravelmente se o jovem ou adolescente for negro e pobre. A probabilidade de ser vítima de homicídio é 12 vezes superior para os adolescentes de sexo masculino, em 
comparação com adolescentes do sexo feminino, e quase quatro vezes mais alta para os negros em comparação com os brancos.

“É um extermínio”, afirma o professor do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Ignácio Cano, responsável por compilar os dados do IHA. O Mapa da Violência 2011 também mostra mais do mesmo: de cada três jovens assassinados, dois são negros.

Representantes da sociedade civil estiveram p
resentes na audiência para inserir na agenda pública a questão da raça e gênero na discussão das políticas de segurança. A diretora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), Guacira Cesar de Oliveira, relatou que o governo não cumpriu as metas previstas nos planos de ações de enfrentamento a violência à mulher. “O número de homicídios entre mulheres negras é consideravelmente maior. A violência contra os negros é racista”, frisou. Guacira destacou ainda que nenhum recurso é destinado ao enfrentamento da violência fruto da discriminação por orientação sexual e reivindicou recursos para enfrentar a violência contra as mulheres e o racismo institucional.

Dados editados pelo pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz a pedido do CFEMEA, na oportunidade dos cinco anos da Lei Maria da Penha, mostram que desde 2003, o número de homicídios de mulheres brancas vem caindo, enquanto o de mulheres negras aumenta. Em 2008, morreram 45,7% mais mulheres negras do que brancas.

O assessor político do Instituto de Estudos 
Socioeconômicos (Inesc) e integrante do Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp), Alexandre Ciconello expôs que menos de 2% do orçamento da União é aplicado em segurança, incluindo TODOS os programas e servidores federais e PRONASCI. A diminuição do investimento em segurança pública é de 12%. E a diminuição de investimentos em direitos de cidadania (DH) 40%. "Como se pensa em implementar um política de combate ao racismo institucional se não há NENHUM recurso destinado a isso?", questionou Cicconelo.

Para a advogada e professora de Direito Penal e Processual, Camilla Magalhães, que esteve na audiência representando o coletivo Blogueiras Feministas, a convite do CFEMEA, o maior desafio da polít
ica de segurança pública dentro do plano plurianual é abandonar a tradicional preferência por projetos repressivos e incluir maior atenção a perspectiva dos direitos humanos, reconhecendo o recorte de raça e gênero característicos da violência no país. “A análise de índices como o número de homicídios por habitante precisa sempre ter em conta, por exemplo, a disparidade da ocorrência desses números entre jovens negros e jovens brancos. Já se tornou fala comum dos movimentos sociais a referência ao "genocídio" de jovens negros e pobres. Falta ouvir essa mesma preocupação nas políticas públicas na área. Além disso, os índices de homicídio como critério base para o enfrentamento do problema não são suficientes, especialmente quando se fala em violência contra a mulher, muitas vezes exercida diária e repetidamente no ambiente doméstico e, por isso, não alcançada por políticas simplesmente repressivas”, reitera.



“A prática repressiva é responsável por dar preferência à solução penal na resolução dos conflitos sociais”, frisa a advogada, que atenta para as conseqüências dessa política. “Essa forma de resposta (a criminal) deve (ou deveria) ser sempre a última. Ela acaba por homogeneizar a solução de todos esses conflitos, de modo cego aos diferentes recortes que a violência adquire entre nós. Assim, ela desconhece as diferentes formas através das quais a violência racial e de gênero se manifestam e não fornece elementos eficazes de combate a essas formas de violência”.

Ao mesmo tempo, Camilla Magalhães pontua que o tema é complexo e que a inclusão desses recortes de raça e gênero é difícil e não se dará milagrosamente. “Talvez ela passe, dentre outros caminhos, por uma prática de preparação para a cultura e vivência dos direitos humanos da força policial e dos operadores do direito. A cegueira desses grupos para suas próprias práticas discriminatórias é, certamente, o reflexo da própria estrutura social em que inseridos, mas também é consequência da formação deficiente que recebem. Ambos precisam receber subsídios que os tornem capazes de romper com o histórico discriminatório das instituições de que fazem parte. E a crítica não deve ser feita apenas à formação das polícias, deve incluir também os cursos de direito, cada vez mais técnicos e menos afetos a questões próprias da realidade social”, conclui.

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