quarta-feira, 16 de março de 2011

Somos reféns de um Estado cada vez mais ausente

Opinião

POSTADO EM 16 Março, 2011


Por Joffre Melo
Nos últimos 10 ou 15 anos, busco em minha memória fatos e ações governamentais que possam melhorar a estrutura de atendimento aos anseios da população pernambucana. O que vejo nos meus arquivos em nada me agrada. A gestão atual se gaba dos investimentos na saúde com a construção das UPA’s e dos semi privatizados hospitais metropolitanos. Mas isso ainda é pouco e a ausência do estado, que cada vez mais vira as costas ao povo, nos torna reféns de serviços essenciais que são negados diariamente.
Eu gostaria, por exemplo, de ver o governador, ou então um deputado estadual (isso seria ótimo), ir até uma delegacia prestar uma simples queixa. É claro que logo eles seriam identificados e o atendimento seria vip. Não obstante, certamente, seus problemas seriam resolvidos sem se quer sair de seus confortáveis gabinetes. Já os comuns, como eu, penam e imploram para que os agentes da lei cumpram seu dever e realizem um atendimento decente. E isso não é de graça. Afinal, são nossos impostos que garantem os salários de servidores, muitos deles com seus vícios purulentos que me enojam e nos deixam a mercê de suas vontades.
O cidadão pernambucano não é respeitado nem mesmo depois de morto. No IML, a imagem de cadáveres amontoados a espera da autopsia cria uma quadro surreal e assustador, para não dizer macabro. Se ao menos entre os mortos estive um parlamentar, mesmo que um desses suplentes que entraram outro dia pela cozinha na assembleia legislativa, talvez a situação estivesse melhor por lá.
Entre os vivos a agonia é a mesma. Recebi essa semana um email de uma senhora que, desde novembro de 2010, vê o pai definhar a espera de um simples exame de hepatite “C” no Laboratório Central de Pernambuco, o Lacen. O genitor agoniza já perdeu 41 kg e até agora a unidade não conseguir realizar o procedimento por falta do kit para exame de hepatite. Um disparate. Um nojo.
Recentemente, precisei de uma vistoria em meu carro na Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos e só Deus sabe o que passei para conseguir o laudo. Em seguida, precisei apresentá-lo ao Detran afim de obter uma autorização para reabrir o chassi do meu carro que estava enferrujado. Pois bem, ali nem Deus sabe o que tenho passado, pois luto para regularizar a situação desde o dia 1 de março e acabei desistindo. Isso mesmo. Resolvi deixar meu velho Uno 1996 na garagem e não vou mais usá-lo.
Ele será para sempre um símbolo da inoperância e burocracia de órgãos públicos, que deveriam facilitar a vida do contribuinte e não torturá-lo fazendo a gente percorrer os corredores da repartição sem saber a quem recorrer. Para se ter uma idéia, já fiz três vistorias, duas perícias, paguei cinco taxas diferentes e ainda falta ir a um agente autorizado fazer uma quarta vistoria, pagar outra taxa, voltar ao Detran, fazer a quinta vistoria, pagar a sétima taxa, reconhecer a firma do novo chassi e, finalmente, se o chefe do setor tiver de bom humor, chegar ao fim do trâmite. Não acham que é melhor transformar meu velho companheiro Uno Mille 96 em troféu? Claro que é. E eu vi pelos menos dois casos iguais aos meus.
Cansei de mendigar nas filas do Detran, indo de sala em sala, sendo alvo de chacota, para obter fichas, boletos ou laudos. Estou exausto, já gastei quase mil reais e nada. Não aguento mais clamar por atendimento e ser tratado de forma execrável. Tirando o pessoal da Ascom que me ajudou no que pode, mas até eles esbarram na burocracia do Detran. Sendo assim, me dou por vencido e abrirei mão de utilizar o meu único veículo, pago com tanto suor e trabalho.
Atualmente, minha luta é por um lugar, em pé, no coletivo das 5h30 da manhã na linha Pau Amarelo, em Paulista, para tentar chegar ao trabalho. Nessa batalha eu também me dou por vencido e vou me mudar para um bairro melhor assistido pelo transporte coletivo. Sem falar que a minha casa, comprada a duras penas, já foi arrombada e roubada três vezes, em menos de um ano. Procurei o policiamento e descobri que o batalhão da PM responsável pela área conta apenas com duas viaturas e uma delas está quebrada.
Lamentavelmente o Estado vem negando os direitos básicos do cidadão. Sei que é um sonho ainda distante querer uma educação de qualidade ou um ambiente seguro para criar nossos filhos. Mas a mudança deve começar agora e em nós, eleitores traídos, que precisamos agir e lutar para, ao menos, receber um tratamento digno por parte dos que estão no poder graças a nossa pouca inteligência.
Somos reféns do poder público e não temos ninguém para negociar em nossa defesa, uma vez que a casa legislativa de Pernambuco nada mais é do que a senzala do palácio do Campo das Princesas. Até quando vamos sofrer calados?

Joffre Melo é jornalista e cidadão. Um bom pagador dos seus impostos, mas que se sente derrotado diante da luta pelos seus direitos.
  

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