sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Soldado, obrigado!

Por Gustavo Krause
Roselito Wanderley de Sousa, soldado da Polícia Militar de Pernambuco, é um autêntico general do exército da solidariedade.
Vamos recordar seu belo gesto. Roselito participou da promoção do Shopping do Automóvel cujo desafio era inscrever uma frase em resposta a seguinte pergunta: “Que loucura você faria para ganhar um carro zero?”. Foram oito mil concorrentes e Roselito ganhou a disputa com a seguinte frase: “A loucura que eu faria seria doar esse carro. Ou com a venda dele, reverter 100% do valor arrecadado em dinheiro para a AACD ou qualquer outra instituição indicada pelos organizadores dessa promoção. Levando com esse ato, com apoio do Shopping de Automóveis de Pernambuco, um ano novo mais alegre para as crianças especiais. Boas Festas para todos e Feliz 2010”.

No dia 2 de fevereiro, o soldado consumou seu ato em emocionante solenidade na sede da AACD. Em tempo, Roselito ganha no máximo, inclusive horas extras, hum mil e quinhentos reais. Mora em Nova Descoberta com a esposa, Josileide e a filha de 2 anos, Maria Regina, usuárias de ônibus. Trabalha doze horas por dia na Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (ROCAM).

O mais importante vem agora nas palavras do soldado Sousa: “Como faço rondas na área da Ilha de Joana Bezerra e uso muito os coletivos, vejo mães carregando nos braços crianças com deficiência com muita dificuldade. Fico muito sensibilizado”. Os passageiros da agonia tocaram o coração do militar. Em seguida, impressionado com a repercussão do gesto disse: “Estamos vivendo um tempo de inversão de valores. O que fiz não deveria ter tanto destaque”. E para finalizar, deixou uma admirável e generosa lição: “Não foi um ato de loucura, como muita gente pensou, mas de consciência. Esse carro vai ajudar muitas famílias. A mim não fará falta, porque eu nunca tive”.

Nestes dez anos de trabalho voluntário da AACD já presenciei muitos gestos de amor, dedicação e solidariedade, porém nenhum excede em valor e simbolismo do que foi praticado por um profissional treinado para a áspera missão de combater o crime que se alia incondicionalmente à benemerência social, exercendo de uma só vez várias virtudes, entre elas uma das mais belas, a generosidade que é dá ao outro o que lhe falta.

Tudo que foi feito e dito prescinde de intérpretes. Fala por si. Este artigo é, pois, dispensável. No entanto, escrevi, para adicionar duas reflexões sobre o fato: a primeira para renovar minha crença no lado bom da natureza humana maior e mais freqüente do que o lado medonho da criatura humana; a segunda para explorar o significado do homem virtuoso.

Com efeito, a virtude é força que age e poder que atua nas práticas das boas ações. E o homem virtuoso é o que o faz humano. Trata-se de uma disposição adquirida de fazer o bem. Adquirida? Exatamente. Nenhuma virtude é natural, logo é preciso tornar-se virtuoso. O primeiro passo é a polidez que não é o verniz dos hábitos, mas a educação da alma. A partir dela, é possível construir o homem virtuoso.

A propósito, o filósofo francês André Comte-Sponville escreveu O Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, uma empreitada difícil porque importou em escolhas e, correndo o risco das incompreensões, imprecisões, critérios questionáveis, o autor arrolou uma lista de 18 virtudes.

Já tendo lido e relido o livro várias vezes, ousei o arriscado exercício de enquadrar o gesto do soldado Sousa nas virtudes estudadas por Sponville: é um gesto de generosidade, justiça, compaixão, humildade, doçura, pureza, simplicidade, amor e a solidariedade que o autor não inclui entre as virtudes sob o argumento de que a solidariedade antecede e permeia como valor a justiça e a generosidade ao mesmo tempo em que remete a pessoa ao sentimento de coesão e pertencimento a uma comunidade.

A partir de agora, o soldado Sousa pertence à comunidade da AACD como General do Exército da Solidariedade, para quem nós batemos a continência da gratidão, virtude do amor retribuído.

Nenhum comentário: